quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Eva Norberg




As duas jovens tatianas com flores de manga em torno do fino pescoço, as duas nadando em volta da barca abandonada à orla. O casco lateral furado, quilhas enferrujadas, mastros decaídos.

Há algo de sinistro na antiga barca que balouça junto ao capinzal à beira-mar.

Uma das jovens tatianas nada mais rápido que a outra, e traz dentro da tanga conchas azuis, mostra ao vento e ao céu, dentro da água, o feitiço de sua nudez queimada de sol. O que ela pronuncia poderia ser a língua natural dos ventos que indica algo para a outra ver.

As palavras da outra jovem tatiana seriam as mesmas do idílio; a alma é que é outra, a alma e os longos cabelos negros. A que nada mais rápida em volta da barca abandonada é a própria cabeça da chuva, confunde-se nas águas do mar grosso; esta não é deusa nem santa, mas gente humana e confidencia segredos em prosa de sala.
Ver 12 obras-primas
de Francis Picabia












Joséphine Sacabo, sem data




MEDITAÇÃO DO CALIFA OMAR
SOBRE ALEXANDRIA (640 d.C.)


Com seu periscópio de concha o califa Omar
perscruta a baía de las Gavenas,
em Alexandria.

O caminho do poeta não é o do silêncio,
mas o da luxúria.

As ondas nunca ociosas na baía de las Gavenas.

O califa Omar, neste ano de 640 d.C.,
escreve numa das paredes do Palácio Real
que o princípio de toda

poesia

é suprimir masmorras,
leis da razão: na pedra gasta infiltrar a phantasia:
e nos conduzir ao caos originário.



Estou lendo, nesse exato instante, aqui em Marduk, um poema de Hildegard von Bingen (1098 a 1179), que gostaria de compartilhar com vocês:

Porque a mulher criou a morte,
uma virgem clara a dissolveu;
por isso a bênção suprema
vem na forma feminina,
além de todo criado:
o mesmo Deus se fez homem
na virgem doce e beata.

Mordillo


Ver 5 fotografias
de Betti Mautner
clicadas entre 1914 e 1918








Ver Kimiko Yoshida

http://www.kimiko.fr/

Roger M. Parry, 1930




Em lugar de olhos, dois nuncas. A noite é palavra unida à noite essencial. Um diamante iça, em lugar da morte, e da cisterna sombria acordo alado: sem amada, capinzal, mãe, pedra ou labirinto. Em lugar de respirar, a música me vela. A eternidade é o silêncio das tigelas de arroz. Em lugar de estar vivo eu sou um canto, enlouquecido por discordar do roteiro. É desconcertante morrer sem acariciar o pomo dourado da própria voz, e a lenda da pele, que acende com o toque dos dedos. É sempre absurdo não ter direito a um nome, a um quintal com pequenos pássaros intensos. Os erros são todos meus. A luz é toda tua. Quando eu não existir mais, eu também virei recolher os domingos que não passei à beira-mar.