segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Paul Klee (1879-1940)

No verão amadurecem

os chapéus

Fernando José Karl

BEIRA

Ballot acende mares à ponta dos pés

vai enfiar canoas no sonho que afundou




SAFÁRI

Levava espelho quadrado
chamava gaiola

capturar paisagem e moça




VENTO

Se as saias erguidas
balançam aos pés do mar

o vento
respira
dentro delas



A BELA DA TARDE

Fui atravessar a tarde

os policiais me bateram riram
cuspiram
condenaram meus olhos a duzentos anos
só porque fui ver

a bela
da
tarde




JOGO DE FIAR

Só morria se o cavalo passasse
ao longo da janela

passava nunca

um dia
o amazonenese desenhou o trem
na parede da casa
foi
ladrilho no olho
para Cusco




CONDE

Conde de Pancarté tem elétrica pantera
flameando entre pernas suadinhas

as que morrerão, as pernas





OSTRA

Nunca sei fazer milagres
soubesse
dava festa
acendia vespas de absoluto vôo
assim como passam os dias
te passava na boca
caju pérola deliciazinha ê
drumia si si sacratim xanxá
embolado em tuas águas




BALIZA

Dois coqueiros
o fio d' luz cruza seus topos

a lua é gol




NO VERÃO AMADURECEM OS CHAPÉUS

Voava cidade foi cair nos cabelos
da castelã calçava luar

dentro do chapéu não havia fundo
podia-se tocar o fim do mundo

Lindalva viu
olhos berloques
que o fim do mundo
é como fim de beijo

semana vem que virá outro





OLHEIRAS

Se vou lento é que engoli tartarugas
passei lenço roxo aos olhos
meu automóvel ficou parado
espera tuas louças




AZULEJO

Ladrilho suja pés de Maria Catorze
que leva resedá a uns deuses no espelho

seus olhos




CRUSOÉ

Órion é milenária

cada um está no seu pó




GUEPARDO

Guepardo vivia (o que o tornava infinito)
vazio a dentro dum banheiro da rua Gonçalves

não consultava relógio
ou respirava estrelas

na terceira poltrona Luzia escutava foxtrote
as veias um pouco na luz
meias nuas em cadeiras vimes

sonhava dentes de guepardo


HISTORIETA

Roubaram muletas do perneta
rezou a Nossa Senhora da Luz
não devolveram

sentado na calçada sorriu

mulheres vieram beijar
o seu único pé




POÇAS

O corcunda de Notre Dame
enquanto o mundo se consumia

pintava em poças magras
a instantânea lua

só porque amava os três tons do azul




PRENOM CARMEM

Passa trem na tela
gaivotas
Beethoven hipnotiza águas
o cego ao entrar faz barulho tropeça
à sombra de um lírio

moça diz que foi nada

o cinema é bom lugar
pra se dizer adeus





VESTIDO

Vestido clareia lua cheia de bolinhas

uma delas é o mundo
assanha os gatos




QUINTAL

Beijar orelha no alto do abacateiro

a coxa dela dói nas minhas linhas




QUEDA

Caiu do alto jacarandá
antes de beijar o chão deu abraços
fez lição de casa andou fumou foi
ao cinema teve um
cachorro
amara Leila Maristela Rita
escreveu esse poema e não morreu

o páraquedas abriu




BIOMBO

Mão de Nadja Maran viraram peixes na hora do rush,
as mãos. E os que
olhassem no fundo nos olhos deles ficavam
nus
nudez tão funda
que nem
o
biombo
os esconderia




A FLOR DE CAQUI DA NUDEZ

Passo dedos em brincos passo
a mão
na flor de caqui da nudez
vês?
abandono um vaso quebrado a teus pés




QUANDO VOLTARAM

Ônibus amarelo furou pneu
ficamos ali sentados
eu e meu amor

ouvindo as conchas que catamos




ROMAN À CLÉ

O faquir acendia postes postes
em cada pendurava o retrato da mulher de sua vida
que lá vem onceira macieza a danada vem
bêbeda
finca ao lado das fotos
a foto do faquir

Burton Pritzker, sem data



Quando não acontece nada,
é no invisível que respira o milagre.



Guimarães Rosa



Karl Baden, 1982



Trata-se de amor por algo, de sentir tanto amor por algo que tudo que pode ser feito com o excesso é criar.


Clarrisa Pinkola Estes




Ver um documentário sobre

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

http://www.youtube.com/watch?v=g4Zgl_Npk_4&feature=related