sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Alexandre Órion

Clarence White, 1900



PÃO

Jogo pão na cama para que dedos o busquem. Na cama dedos ganham braços pernas úmidas frases no travo da boca.

Comemos todo pão,
úmidos.

Miran

Quino


--- Como é que não vai mais remar?! Acho isso muito estranho, Fernández!
Estamos ou não estamos no mesmo barco?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A vida como ela é




Joel-Peter Witkin

Head of a Dead Man, Mexico City


1990

A vida como ela é




Anônimo

Ritual Suicide, Saigon


1963

A vida como ela é



Lee Miller

Buchenwald, Germany: Dead Prisoners


1945, 30 April

Quino

Em busca do tempo perdido




Hill & Adamson

Newhaven


1845

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Em busca do tempo perdido



Baron Adolph de Meyer

Still Life with Lilies


1908

Em busca do tempo perdido



Baron Adolph de Meyer

Woman in black overlooking Florence, Florence


1900

Em busca do tempo perdido




Baron Adolph de Meyer

Photo-Club de Paris / 1895, Pl. VII

1895

Em busca do tempo perdido



Total Solar Eclipse


Royal Astronomical Society expedition to Principe

1919, 29 May

Sem palavras

Manuel Álvarez Bravo, 1920



Eu escrevo o dia inteiro, cá fora, junto ao pequeno pavilhão de estilo oriental e sob a árvore daquela frase; árvore que finca raízes no calcário friável composto de sílica e argila. Não esfrego serpente nem ostra na cara. Não falo grego e siríaco, mas o silêncio escuta o movimento hierático de minha clara língua. Eu, K., a caminho da ilha de Creta, extravio luz no vão de cercas. A caminho da nuvem, eu, morador de Villa da Concha, me’n vaig arran de l’aigua i recullo – vou rente à água e recolho – grãos de música para os dias frios e desesperados. Nos cactos, nos vinhedos e nas paredes pintadas a cal perpassam manadas de sombra. Por aqui o olho das velhas loucas até parece um lugar de siri. Escrevo: “O Jarro Sereno --- no jardim de Quf --- sonha que não cessam os oráculos. E o que poderiam revelar os oráculos?” O Deus tenta uma resposta: “Os oráculos revelam que é necessário esgrimir contra a monotonia para que o texto do Jarro Sereno – lumen naturae – nos alcance”. Eu, K., no horto, certo dia, mergulhei a cabeça oca na pipa d’água --- ia morrer afogado, o Jarro Sereno me puxou da pipa d’água”. Escrevo, depois do susto, algumas letras nupciais: “Lucana, o que eu desejo pra ti é que chovam capinzais e a Cassiopéia na tua frase. Chovam brasas no teu gelo e que os esguichos do unicórnio ágüem os cajueiros do quintal, ágüem o meu amor e a tua concha – que a água-perfumada lave teus ossos até que reste apenas essa caixinha de música e a música é tudo, bem sabes. De branca espuma coroada a onda, de barcas o mar de sal grosso, de Vazio coroado o ar e de água pura a fronte, enquanto a brisa zaranza da turmalina ao matadouro, das altas árvores à torre da pequena igreja do Carmo, dos cílios aos capinzais, a brisa por tudo passa e serenamente entra pela janela e no quarto se acalma. E que te cale a chuva no Jardim de Pedra. Durma até, durma Lucana, que eu te ressuscito com carícias na nuca. E, ao adormeceres comigo, sem que me toques, possa a árvore branca das cantatas de Bach oxigenar a tua pura fonte no pedrento, meu amor, meu labirinto de relva”. Escuto um pouco o riscado vinil de Chet Baker. Leio, antes da pequena refeição noturna, este versículo de Manoel de Barros: “Eu ouço a fonte dos tontos. Quem ouve a fonte dos tontos não cabe mais dentro dele”. Ontem sonhei que eu caía na cisterna abobadada de Bahr El Khabeer para escutar mel nas ostras, para escutar a fonte dos tontos, para escutar o sumo solar. Consultava o relógio da corrente: quadrado branco de fino vidro. Na cisterna havia orgias de latim e eu era virgem de mulheres. Meus olhos cobertos por vidros fumados, de aros muito grossos e talvez prateados. A cisterna mormacenta sufocava, enquanto eu rememorava os vaticínios daquela noite de runas: eu só poderia clarear o inverno sombrio, se eu mesmo fosse o inverno sombrio ou esse trecho de pedra fria que me serve de cama. O mal há, é sombra que enfraquece. O real é uma alta árvore no ouvido, o “em-constelação”. Folheio Eça: “Onde não há água, não está Deus. Chão de greda é condado do demônio”. O baal zebuh não há. Existe é o céu humano. Um cristal ou uma enguia me muda.



Quino

Carleton E. Watkins, 1881



Vou acordar a chuva.

Antes de entrar em seu quarto, umedeço os dedos na água do aquário e passo por seus gatos molhados. Na casa da chuva, até as plantas do jardim são de água.

O véu que a cobre é de fina organza líqüida.

Logo que a vi, ela estendeu os braços e, para minha surpresa, antes de me pedir um beijo, pediu foi um copo, um copo d’água.



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Saramago (1922-2010)



Ver o
Caderno de Saramago


http://caderno.josesaramago.org/



Eugênio, sem data



Lavar a alma ao ver o blog
Admiradores de varais,
de La Vanu.


http://admiradoresdevarais.blogspot.com/2008/



Shânkara Lis Martins Karl, minha filha



A hora em que Shânkara sente o coração bater na palma de sua mão: por suave, coração de organza a levar do ar os quebrantos e todo o fel: de resina perfumada sua voz vinda de antes do início do mundo: voz a arder em todos os cômodos da casa onde habita: Shânkara é céu emendado a céu: não acaba nunca sua presença amorosa que chove nas plantas, nas pedras, nos animais.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ron Reeder, sem data



Se a alma é palavra, é pela palavra que ela jamais se encontrará, porque é lá, na palavra, que a alma habita. A palavra, por pura proteção, jamais sairá de onde está. A palavra não é uma coisa morta e nem é palavra o que lemos no dicionário; muito pelo contrário, a palavra é vis activa: algo pra lá de vivo. A palavra céu, se pronunciada por Algo ou Deus, é um céu; a palavra água é água.

A palavra a que me refiro não é a palavra em estado de dicionário; a palavra a que me refiro, com reverência, é aquela palavra anterior ao mundo; é a palavra que o primeiro Homem (Deus ou Algo) pronunciou para criar o mundo.

Se pronunciarmos céu por nós mesmos, o céu morre; contudo, se pronunciarmos céu por amor ao Algo, ou porque escutamos a palavra de Algo, é bem verdade que um céu acaba de nascer em nós.

A palavra purifica, clareia, inaugura um mundo novo nisto que convencionaram chamar de "alma".

A palavra é a casa da alma.

A palavra da alma só é desprezada porque ela tem uma pequena aparência.

Quem sabe, depois de mortos, apenas nos reste criar o paraíso com as palavras: aqui a torrente de uma árvore; ali a barca de um vento; lá um adágio perfuma as veias.

O poeta é aquele que pressente isto de maneira profunda: e não quer mais o mundo, mas aquele outro mundo onde pode escutar a palavra e, surpresa, a palavra luz é uma luz mesmo.