sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sóror Juana Inés de la Cruz (1651-1695)

SÓROR JUANA INÉS DE LA CRUZ (IV)


Piramidal, funesta, de la tierra
nacida sombra, al cielo encamina
de vanos obeliscos punta altiva,
escalar pretendiendo las estrellas;
si bien sus luces bellas
exentas siempre, siempre rutilantes,
la tenebrosa guerra
que con negros vapores le intimaba
la vaporosa sombra fugitiva
burlaban tan distantes,
que su atezado ceño
al superior convexo aún no llegaba
del orbe de la diosa
que tres veces hermosa
con tres hermosos rostros ser ostenta,
quedando sólo dueño
del aire que empañaba
con el aliento denso que exhalaba;
y en la quietud contenta
de imperio silencioso,
sumisas sólo voces consentía
de las nocturnas aves
tan oscuras tan graves,
que aún el silencio no se interrumpía.
Con tardo vuelo, y canto, del oído
mal, y aún peor del ánimo admitido,
la avergonzada Nictímene acecha
de las sagradas puertas los resquicios
o de las claraboyas eminentes
los huecos más propicios,
que capaz a su intento le abren la brecha,
y sacrílega 11ega a los lucientes
faroles sacros de perenne llama,
que extingue, sino inflama
en licor claro la materia crasa
consumiendo; que el árbol de Minerva
de su fruto, de prensas agravado,
congojoso sudó y rindió forzado.


Versos iniciais do Primero sueño de Sóror Juana Inés de la Cruz. Primero sueño y otros textos: Buenos Aires, Clásicos Losada, 2004.

Cecília Meirelles (1901-1964)

UM POEMA DE CECÍLIA MEIRELLES (fragmentos)


Sou rio, serpente,
corro para onde quero, sozinha,
para longe corro
Sou perfume de óleo fervente,
ervas, flor, semente
em viva brasa.
Do meu fogo morro.
Não há fogo de sol nascente,
não há fogo de sol ardente
que se compare à labareda minha.
Olha os meus braços que seguem na minha frente,
finas cordas de seda muito seguras,
olha o meu vasto cabelo sombrio,
que é uma vela redonda de noite e de vento
Olha o meu corpo como um navio
cortando as horas escuras
e a louca espuma fosforescente...
Olha na minha boca o mel das tamareiras...

(...)

Minhas pernas são altas, leves e ligeiras
são minhas pálpebras tendas franjadas
e a sombra das caravanas se deita nas minhas olheiras.

Há nos meus olhos verdes luas levantadas
que escutam passar sedentas feras.


(Do livro Oratório de Santa Maria Egipcíaca)

Federico Garcia Lorca (1898-1936)

O REI DO HARLEM


Com uma colher
arrancava os olhos dos crocodilos
e golpeava o traseiro dos macacos.
Com uma colher

Fogo de sempre dormia nas rochas,
e os escaravelhos bêbados de anis
esqueciam o musgo das aldeias.

Aquele velho coberto de flechas
ia ao lugar onde choravam os negros
enquanto rangia a colher do rei
e chegavam os tanques de água apodrecida.

As rosas fugiam pelos fios
das últimas curvas do ar,
e nos montões de açafrão
os meninos machucavam pequenos esquilos
com um rubor de frenesi manchado.

É preciso cruzar as pontes
e chegar ao rubor negro
para que o perfume do pulmão
golpeie-nos a fronte com seu vestido
de cálida pinha.

É preciso matar o louro vendedor de aguardente,
todos os amigos da maçã e da areia,
e é necessário bater com os punhos fechados
nas pequenas judias que tremem cheias de borbulhas,
para que o rei do Harlem cante com sua multidão,
para que os crocodilos durmam em longas filas
sob o amianto da lua,
e para que ninguém duvide da infinita beleza
dos espanadores, raladores, cobres e caçarolas das cozinhas.

Ah, Harlem! Ah, Harlem! Ah, Harlem!
Não há angústia comparável a teus olhos oprimidos,
a teu sangue estremecido dentro do eclipse obscuro,
a tua violência vermelha surda-muda na penumbra,
a teu grande rei prisioneiro, com uniforme de porteiro.

*

A noite tinha uma rachadura e quietas salamandras de marfim.
As garotas americanas
levavam meninos e moedas no ventre,
e os rapazes desmaiavam na cruz da espreguiçadeira.

Eles são.
Eles são os que bebem o whisky de prata junto aos vulcões
e tragam pedacinhos de coração pelas geladas montanhas do osso.

Aquela noite o rei do Harlem, com uma duríssima colher
arrancava os olhos dos crocodilos
e golpeava o traseiro dos macacos.
Com uma colher.

Os negros choravam confundidos
entre guarda-chuvas e sóis de ouro,
os mulatos mascavam gomas, ansiosos por chegar ao torso branco,
e o vento empanava espelhos
e quebrava as veias dos dançarinos.

Negros, Negros, Negros, Negros.
O sangue não tem portas em vossa noite boca acima.
Não há rubor. Sangue furioso por baixo das peles,
viva na espinha do punhal e no peito das paisagens,
sob as pinças e retamas da celeste lua de Câncer.

Sangue que busca por mil caminhos mortes esfarinhadas e cinza de nardos,
céus hirtos, em declive, onde as colônias de planetas
rodam pelas praias com os objetos abandonados.

Sangue que olha devagar com o rabo do olho,
feito de espartos esprimidos, néctares de subterrâneos.
Sangue que oxida o alísio descuidado em um rastro
e dissolve as borboletas nos cristais da janela.

É o sangue que vem, que virá
pelos telhados e terraços, por toda parte,
para queimar a clorofila das mulheres louras,
para gemer ao pé das camas ante a insônia dos lavabos
e estrelar-se em uma aurora de tabaco e sob amarelo.

É preciso fugir,
fugir pelas esquinas e encerrar-se nos últimos pisos,
porque a medula do bosque penetrará pelas frinchas
para deixar em vossa carne um leve rastro de eclipse
e uma falsa tristeza de guante desbotado e rosa química.

*

É pelo silêncio sapientíssimo
quando os camareiros e cozinheiros e os que limpam com a língua
as feridas dos milionários
buscam o rei pelas ruas ou nos ângulos do salitre.

Um vento sul de madeira, oblíquo no lodo escuro,
escarra nas barcas partidas e crava pontilhas nos ombros;
um vento sul que leva
colmilhos, girassóis, alfabetos
e uma pilha de Volta com vespas afogadas.

O esquecimento era expresso por três gotas de tinta sobre o monóculo,
o amor por um só rosto invisível à flor de pedra.
Medulas e corolas compunham sobre as nuvens
um deserto de talos sem uma só rosa.

À esquerda, à direita, pelo Sul e pelo Norte,
se levanta o muro impassível
para o topo, a agulha da água.
Não busqueis, negros, sua greta
para achar a máscara infinita.
Buscai o grande sol do centro
como se fosse uma pinha zumbidora.
O sol que desliza pelos bosques
convicto de não encontrar uma ninfa,
o sol que destrói números e não cruzou nunca um sonho,
o tatuado sol que desce pelo rio
e muge seguido de caimães.

Negros, Negros, Negros, Negros.
Jamais serpente, nem zebra, nem mula
empalideceram ao morrer.
O lenhador não sabe quando expiram
as clamorosas árvores que corta.

Aguardai sob a sombra vegetal de vosso rei
que cicutas e cardos e urtigas turvem últimos terraços.

Então, negros, então, então,
podereis beijar com frenesi as rodas das bicicletas,
colocar pares de microscópios nas tocas dos esquilos
e dançar por fim, sem dúvida, enquanto as flores eriçadas
assassinam nosso Moisés quase nos juncos do céu.

Ah, Harlem, disfarçado!
Ah, Harlem, ameaçado por gente de trajes sem cabeça!
Chega-me teu rumor,
chega-me teu rumor atravessando troncos e elevadores,
através de lâminas cinzentas,
onde flutuam seus automóveis cobertos de dentes,
através dos cavalos mortos e dos crimes diminutos,
através de teu grande rei desesperado
cujas barbas chegam ao mar.


Federico Garcia Lorca


Tradução
: Claudio Daniel