segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Os vocábulos são características das coisas.
Cícero
Nunca respiram nesse poema,
aqui alinhavado na página fria,
os vocábulos "a", "barca", "dos", "loucos".
Inexistem, somem depois de pronuncidos.
Contudo, sem os vocábulos
"a", "barca", "dos", "loucos",
de que modo vislumbrar
a
barca
dos
loucos?
Em nenhuma circunstância
esqueças o célebre dictum:
em literatura não há nada escrito.
Caída no azulejo do banheiro,
a flauta de Antígona, a louca.
De madrugada, Antígona vai ao sotão,
acrescenta um cecedilha
na palavra louca.
No café da manhã, os acordados
observam na pia certo objeto
de matiz esbranquiçado:
é a louca da Antígona,
agora transmutada em louça,
que ela mesma lava.
Depois enxuga as mãos no vento,
prepara fumo no cachimbo,
esquece lábios molhados na flauta vazia.
Cura-me de formas turvas, primavera selvagem. Cura-me da miséria tumular. Cura-me do ríctus da amargura. Cura-me do conturbado vendaval de Carrascozza. Cura-me de não fazer ablução com água de estrela. Cura-me de crótalos marinhos envenenados. Cura-me de cadáveres dragados nos pauis. Cura-me com os Santos Óleos e o azeite dos doentes. Cura-me de fétidas palavras. Cura-me com a força da doçura. Cura-me com a força da poesia. Cura-me com a força da música. Cura-me com a força das mulheres e das crianças. Que língua, ossos e olhos sejam para sempre. A constelação dentro de ti: água imersa em água. Buddah é o que acontece na pureza. Daqui há bilhões de anos, tua respiração um Buddah: será hoje! Buddah é o ar: não é um, nem um não. Mistura de ambos. Não é um: é concha, Órion, vento. Nem um não: Buddah é sim. Mistura de ambos: Buddah é, sim, concha, Órion, vento. Quanto mais próxima a língua da origem da chuva, menos fel e gramática. O acaso espreita da folha