quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O gato e o rato empalhados
à entrada do Museu de Taxidermia,
em Boston/EUA

Paul Solberg, sem data

OLHO DO FURACÃO

Estou no olho do furacão,
bem no centro da tempestade,

na boca do tubarão,
no fundo do poço,

com sede e com frio,
sem oásis, sem mulher nua,

sem moeda de ouro, sem cavalo branco,
sem brisa no Saara,

estou só eu no espelho,
toco o espelho não toco em nada,

já estou sem ossos,
cara a cara com Deus,

que estava fora do olho do furacão,
observando-o com serenidade.
Fábio Brüggemann
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o blog de Fábio Brüggemann

www.bloguedobruggemann.blogspot.com

Alice Ruiz

YUUKA

todos os verdes

em um só vaso

família de cactos

sono do pescador

o peixe quando salta

imita o som do mar

fora de mim

imagino na paisagem

a imagem do que fui

a gaveta da alegria

já está cheia

de ficar vazia

no escuro das águas

uma voz clara

nada nunca pára

Haicais de Alice Ruiz, do livro Yuuka.


La Vanu

Lavar a alma ao ver o blog
Admiradores de varais,
de La Vanu.

http://admiradoresdevarais.blogspot.com/2008/1


Brigitte Carnochan, sem data


Júlia: a que amei no Calvário.

Aqui, na cervejaria Bürgerbräukeller, entabulo conversa com o garçom, que me traz logo uma cerveja e inicio a primeira leitura do Testamento para El Greco, do escritor grego Nikos Kazantzakis – que sugere o total isolamento para que se possa desvelar o mais profundo do ser humano. O mesmo Nikos disse em algum lugar: – As únicas coisas que importam na vida: idéias, frutas, mulheres.

O banheiro da cervejaria Bürgerbräukeller – arruinado, sujo. Almas acossadas em cada recanto sombrio. O dono do bar não é o Esteves, aqui não é a Tabacaria, aquele que me fita da mesa ao fundo não é o Fernando Pessoa. Se não é o Fernando, quem é? É Jorge Luis Borges e solicita que eu leia um texto de sua autoria intitulado “A escrita do Deus”: “Perdi o número dos anos que estou na treva; eu, que uma vez fui jovem e podia caminhar por esta prisão, não faço outra coisa senão aguardar, na postura de minha morte, o fim que me destinam os deuses. Com a profunda faca de pedernal abri o peito das vítimas e agora não poderia, sem magia, levantar-me do pó”.

Que estou na treva, estou. Sem magia, não me levanto jamais do pó nem alcanço o copo de água. Sem magia eu não ressuscito nem pra beijar a boca da Ingrid, aquela safada. Minha alma – agora sei – foi vista pela última vez na página 72 de “O livro perdido de Tácito”. Acontece que, numa faxina aqui em casa, perdi “O livro perdido de Tácito” e só Deus sabe quando vou encontrá-lo de novo.

Por enquanto minha alma continua perdida e eu aproveito para seguir religiosamente o conselho do espanhol Pablo Picasso para uma vida perfeita: De manhã, missa; de tarde, touradas; à noite, bordel.

Escrevo, aqui na cervejaria Bürgerbräukeller, num guardanapo: “Deus morreu nos meus braços naquele sábado em que eu e Júlia nos amávamos no Calvário. A língua vai para onde quer, o espírito sopra onde quer, o Olho por onde espio o vento é o Olho por onde o vento me espia. Meus olhos vão ver o paraíso, sim, mas serão olhos apodrecidos.

Mordillo

Sem palavras


Anônimo