quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Stanko Abadžic, 2000

Nunca mais me esqueço da sombra silenciosa que marca o piso de pedra da pequena igreja do Carmo. Ali, diante do oratório, rasgo e devoro algas de Bíblia. Solidão é rito e, se venta lá fora, na pia baptismal uma folha seca. Aqui acordo, em meio ao sonho que é essa pequena igreja; acordo para a lucidez de que estou sonhando e, se não sonhar --- sucumbo --- igual onda que se extingüe ou fina linha de lápis que se apaga. Anoto no cahier: “Quem anda nas águas, envolto em névoa antiga, nada quer da cruz. O lado oceânico da cruz, existe? Ou existe só essa avena perfumada de altura?”. A presença quase física da imagem do deus Orum, nessa pequena igreja cristã, faz uma sombra perfumada nas paredes brancas, e é para este deus que escrevi, nas algas da Bíblia, um oriki:

QUANTO MAIS PRÓXIMA A LÍNGUA

DA ORIGEM DA CHUVA,

MENOS FEL E GRAMÁTICA

O acaso espreita da folha em branco.

Toda sede do céu é de abismo

e vivace sorvo, touro de mar caço à unha:

oro a Orum, peço que a neve nô

caia

nas árvores vergadas pela névoa.

O pensamento quer matar a sede

no oriki da chuva.

Quanto mais perto da música de câmara,

mais a língua venta um acorde que amanhece

esse virgem verso,

esse rosário de buirás,

esse kami

na imensa altura do vento

Calendário Monet

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

7 fotos da Galeria Nacional
da Austrália

Thomas Andrew, 1905

Harold Cazneaux, 1912

Frank Y. Sato, 1933

Frank Hurley, 1914

Francis Chit, 1886

Douglas T. Kilburn, 1847

André Roosevelt, 1928


Paul Cava, 2003


Breve carta e um pequeno conto de K.: “Lucana querida, aí um pequeno esboço de narrativa escrito à beira do ferro-gusa e de ramos sombreando arroios:


A BANHISTA E O RINOCERONTE

“Uma névoa rósea e palpitante de ninfas--- nereidas, dríadas, oréadas, napéias coleantes,oceânides melodiosas”. (Júlio Dantas)

Banhista. Pessoa que se banha em mar, rio, piscina etc. Pessoa que se submete a banhos medicinais. (Dicionário Aurélio)

Rinoceronte. Do latino clássico rhinoceros, otis). Mamífero ungulado, perissodáctilo, ceratomorfo, rinocerotídeo, maciço, pesado, de cabeça muito alongada, com 1 ou 2 chifres, situados, neste caso, um após o outro. Cauda curta, os quatro pés com 3 dedos de cascos separados, boca pequena e lábio superior alongado. Atualmente existem 4 gêneros, com cinco espécies: a indiana, com 1 chifre (Rhinoceros unicornis), a javânica (R. sondaicus), a de Sumatra (Dicerorhinus sumatrensis) e duas africanas (Diceros bicornis e Ceratotherium simun). (Dicionário Aurélio)


“Eu sei que a banhista não existe, mas entre duas ondas do mar a banhista mergulha e a respiração dela – napéia coleante – se a imagino, existe junto do pomar e do rinoceronte. O sono íntimo da talássica nereida me doura. Rente a um muro de Cnossos, as duas ondas do mar nunca secam, ressuscitam molhadas no sonho da banhista. Ossos do rinoceronte secam, não ressuscitam nunca mais, como nunca mais ressuscitam o fel e o urinol. Assim os arcanjos nunca extraviam suas blusas d’água e a banhista – oceânide melodiosa, napéia coleante – respira agora na Casa da névoa”.