sábado, 7 de junho de 2008


Ver "Absurda",
do czar do bizarro David Lynch

http://br.youtube.com/watch?v=75dQpZ9-skQ

Kimiko Yoshida


Ver Kimiko Yoshida

http://www.kimiko.fr/

Matisse


7 assombros de George Krause







Paul Klee


E todos os jardins suspensos do fundo mar se curvaram quando ela passou. Se ela te abraça é uma semana de barcos. Pertence a quem não marca seu céu. Onde não enraíza espelho: ali ela respira. Sua essência marinha não erra ponta de cardume. Abana o azul com leque. Eu sonho, Aura, que tu dormes enquanto chove lá fora, chove uma fina chuva em teu sonho, e tu sonhas que eu te entrego uma flor: fomos feitos para escutar música; para escutar estrelas de pura água; para escutar o silêncio do coração – coração do sol. Nunca decifres, nos búzios, o sétimo céu. Quero flagrá-lo aqui do terraço com Olho védico, com a voz, com o desejo esvaindo águas. Imersa nas águas tu és, bem-amada, em meio às narcejas. um Deus escondido. De tal modo serenada, que o sopro de teus olhos desarruma oceanias. Te ofendo com apitos, meu deus, com pratos de plantas, para que aprendas a inutilidade do céu. Há mais pensamentos que coisas. Fico miosótis para o fim, desaprendo a ira para pra te convencer que a morte não existe: essa pirataria sepulcral é só um jeito da gente brincar de sumiço. Te convenço que aqui no centro se unge com boana. Balanço cabeleira só pra ofender meu Deus. Com cachaça feroz eu espicaço tua alma, parto em duas tua espinha dorsal e te espanco até que caias numa cama de suave pena de cisne, os travesseiros de chuva serão apenas testemunhas secretas do quanto minha língua de fogo sabe o sabor de tua pele branca de neve, eu como a maçã da branca de neve, eu chupo a pequena uva do clítoris da branca de neve, eu subo na mais alta árvore e me atiro nos braços da chuva. Ante o mar azulado, na cadeira de praia, ela dormindo sonha com o príncipe da neblina que se aproxima de sua orelha esquece ali música verdejante. Certa mulher, mas não esta ou aquela, porque me refiro à que vive na ilha do Arvoredo – nas noites perigosas – é música atravessando o muro. Tu de branco, Míriam, mais bela que o Taj Mahal se é céu noturno. A escrita incita o linho. A poesia é quando estamos andando sobre o dorso de peixes dourados e alguém nos entrega um livro justo na página 61 onde está escrito que não há palavra de adeus para os flocos de neve que se fundem à brancura do campo. As ervas do jardim. A voz rasga o céu, a raga indiana rega as ervas do jardim – pairo acima de salsos pendentes. Sob o laranjal, sob o vento, sob o sol, Ana é um arpejo. Os dedos acordam laranjas: uma sombra pesa no ar: − é o pássaro negro! − é o pássaro negro! Diz Ana: “Que o pássaro negro me leve, mas não já”, depois abraça o laranjal. De longe, assim abraçados, nuvens de borboletas. Martelar a ponta branca do punhal, afinar sobre a bigorna a lâmina de prata. As batidas ressoam na clavícula,e parece que Joseph Peyré quer sagrar o tédio. Brutas marteladas, suas únicas armas, afiam o punhal que vai descascar a laranja. A mãe morta é bela porque é a delicadeza se dissolvendo. Com machado de ferro quebra-se a pedra. Clareza fixa e rústica, a pedra, se cortada em duas, são duas pedras mais belas que a mãe morta, porque pedras não morrem, mantém a delicadeza. Na ponta de sete talos de erva, na vasilha de endurecer o ferro: a imagem da pedra. Por vezes se a imagem se oculta, faz sonhar ainda mais. Nunca se aprende uma imagem e com sete talos de erva curo-me. Na vasilha de endurecer o ferro, um desenho mínimo de rios. Com ele salvo da morte as imagens. Olho atentamente as barbatanas tuas, peixe, que circunsoam na escuridão do pélago. Sou azul e peixe no milésimo de segundo em que olho atentamente as guelras do peixe que sobe pelo silêncio desse espelho que captura o silêncio de uma pedra branca, às vezes invisível, e que os anjos deram o nome de segredo. Eu não existo, Senhor, aprofundado que estou em teu oboé. Em teu aroma de cântaros eu respiro, Senhor, com ossos delicados criados por Ti. E me findas sem que eu saiba das três belas de Edo. Quem eram? Quem não eram? Voz mansa, Chateau Duvalier, varandas, redes, que mais para o amor? Eu não existo e as minhas palavras tornam aéreo o chão. O sol, na manhã lavada, é a sombra do Deus. Ficamos ali vendo as mulheres mergulharem no oceano para esquecer, enquanto nos teus olhos li que a morte é a única sombra: manhã com céu a incendeia. Há no céu imensas curvas de cristal, e na cama os esqualos, faltasse água, morreriam à luz seca do meio-dia. Por isto fomos ao oceano com baldes de alumínio caçar águas. Enquanto eu enlaço quatro noites, o peixe da sombra azula a sombra e, à sombra do peixe, torres de igreja bizantina. Numa das torres reluzem os abismos e o peixe sobe para o céu, por causa da palavra céu, por causa da palavra peixe. Arco noturno de água, aonde vais com a fronte consumida? Para o sono dos ventos num barco de madeira, vou buscando o rio à beira-mar, próximo de restingas. Aroma, rastro e junco. Mar, aonde vais? Para os cristais e as árvores. Rio acima vou buscando a palavra sagrada, fonte onde descansar a ressurreição perdida. Descansar sem sombras no coração. Choupo, e tu, que farás? Receber da rosa o perfume branco da claridade que se esvaziou. Não dizer mais nada. Apenas arrepiar-me! A estrela molha a penumbra. O que desejo, o que não desejo, pelo rio e pelo mar? No deserto o rio oculto nos teus braços. Quatro pássaros sem rumo no alto choupo estão.
7 sombras gregas de Vasco Ascolini







Flor Garduño


Sana me de formas turvas, Domine. Sana me da miséria tumular. Sana me do ríctus da amargura. Sana me do conturbado vendaval de Carrascozza. Sana me de não fazer ablução com água de estrela. Sana me de crótalos marinhos envenenados. Sana me de cadáveres dragados nos pauis. Sana me com os Santos Óleos e o azeite dos doentes. Sana me de fétidas palavras. Sana me. Sana me com a força da doçura. Sana me com a força da poesia. Sana me com a força da música. Sana me com a força das mulheres e das crianças. Que língua, ossos e olhos sejam para sempre. A constelação dentro de ti: água imersa em água. Buddah é o que acontece na pureza. Daqui há bilhões de anos, tua respiração um Buddah: será hoje! Buddah é o ar: não é um, nem um não. Mistura de ambos. Não é um: é concha, Órion, vento. Nem um não: Buddah é sim. Mistura de ambos: Buddah é, sim, concha, Órion, vento. Quanto mais próxima a língua da origem da chuva, menos fel e gramática. O acaso espreita da folha em branco. Toda sede do céu é de abismo e vivace sorvo, touro de mar caço à unha: oro a Orum, peço que a neve nô caia nas árvores vergadas pela névoa. O pensamento quer matar a sede na chuva. Quanto mais perto da música de câmara, mais a língua venta um acorde que amanhece esse virgem verso, esse rosário de buirás, esse kami na imensa altura do vento. Sonhar paraíso que enxágua retinas em moinhos-de-vento. No paraíso, esquecidos de tudo, jogamos búzios, modelamos o barro, adormecidos em camas de ilusão, acordados pelo assovio de um círculo branco. No paraíso, um dia, palavras de Shiva Nataraj, outro subimos a encosta pedrenta, saltamos da beira do abismo à solitude do jarro. Ontem somos mulheres, fritamos peixe, ou amanhã, homens, varremos a casa. Sábado, porque só há sábado no paraíso, crianças sopram o sol e o perfume do sol nos impregna com duas eternidades. Quando morremos, sim, porque há morte no paraíso, em cemitérios não nos acostumamos, fugimos pelas crinas de garças,escutando na barca Nautikon a respiração de Buddah, a çankha de Buddah. Sob o linho castiço da chuva, a treva horrível de nosso espírito vocifera claros nomes serenos. Atravesso o deserto com uma pedra no fundo do poço. Tanto azul de águas, mas a pedra, taciturna monja sem sol, nada espera, é só uma pedra envolta em antigo silêncio. Bem no fundo do mar de Abrolhos, esta pedra, seca por dentro. Tudo se pode falar: a transparência contínua, a praia com bicicletas. Eu rezarei a noa de um colar sem sombras, que te guardará da ilusão enorme. As relíquias de um domingo de ramos no copo d’água e nunca mais te verei embaixo da figueira. À sombra adriática do desejo eu busco – o vento que ergueu tua saia – a saia com que baixaste ao túmulo. A última flor do Lácio afina a língua no elixir primitivo que enovela a pedra sânscrita, pedra que os construtores desprezaram. Com ela posso segredar sargaço, grafismo, água à língua. Amigos, inimigos, não acordem as banhistas nuas na piscina. Elas nem sabem que o Arcanjo podia vir acordá-las com pizicatos de violoncelo. Tomara que nunca venha. Só assim as adormecidas continuam nuas. Avança um acorde de piano no esquecimento como dardo de luz brincando. Eu tenho motivos de sobra para ficar entre águas e conchas. Eu quero mar, ritmo, gôndola. Eu quero ar, clarabóia, agave. Tenho motivos que a luz desconhece. Só o escuro sabe caves de adágio.

AnArden McDonald


pequeno

tinha um pensamento

a selva

quando crescer

em algum lugar

na selva

corre grande

um pensamento



Alice Ruiz

Kasimir Malevich


O que pode haver na Torre das meninas húngaras e o que a ode é?, a ode guarda relicários de musgo, reverencia o mistério de haver bosque e eu um abismo no bosque. Pedras de Oxum – ocas – com luz por fora da Torre das meninas húngaras, que a luz de dentro, nunca vista, amadurece outras paragens. Na colina uma ninfa sonha: horror vacui move seus músculos. Uma concha na água: infinito contra infinito. O que pode haver na Torre das meninas húngaras? O que vemos por fora: luz! O que só vemos no fim: x, e uma outra luz já iluminou. A língua mordaz, viperina, de Anaxágoras: “Súbito nos cansamos de tudo: de pôr-do-sol, de repolho, de amor”. Palavras de Quevedo: “Ni ondas ni luciente cristal: agua al fin dulcemente dura”. Havia um príncipe assírio que furava os olhos de seus súditos, e depois os enterrava sob as árvores. Machucado pelo azul forte do meio-dia, o príncipe vacilava entre sombras, sob o guarda-chuva branco que o protegia do sol bebia um copo de absinto com alegria de menino. Oculto na ramagem do que rascunho, respiro metade xamã, metade pesadelo. Rascunho quintal para garças e mar, enquanto o reino nublado, na vigília, se desfolha. O Rei que não existe, quando escuta o aguaçal, recebe o pensamento do aguaçal. Depois vai arrancando de muros rentes ao palácio mil sóis ali avoantes. O que eu sei dos manuscritos do tímpano é que a matéria imaterial faz refém a matéria. No papiro de Stephanos – hermetista do século 7 – a palavra é uma lasca da voz do Rei que não existe, fundida em aguaçal que fia e tece: a fala é então sua luz e singra, íntima do vazio, à bordo da barca Nautikon.