segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Isaías Orozco-Lang


ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS:
SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA
SEGUNDO A SUA VONTADE,
ELE NOS OUVE.
(1 João 5, 14)


Pés de ouro equilibram-se em peixes.
Inciput erat verbum: no princípio era a palavra.
A palavra é clarabóia
sobre o pensamento escuro.

Jesus cita as antigas escrituras
para sugerir que também somos deuses.
Na fonte fria lavar cabelos,
lavar cabelos na fonte fria.

Pés de pluma equilibram-se em águas.
Tenho confiança em Deus
e a Ele peço três coisas segundo a Sua vontade:

--- a força da criança
--- a força da poesia
--- a força da música

Anon, 1870

A gueisha Wang Li
BOTECO GALLO DEL VIENTO

Eu vim a esse boteco Gallo del Viento
com os três andaluzes tocadores de viola,
com a gueisha Wang Li
que massageia minha nuca nas horas vagas,
enquanto mastigo hóstias que surrupiei
da pequena Capela do Carmo.

Eu vim a esse boteco Gallo del Viento
e se Vossas Senhorias ainda não vislumbraram
os andaluzes tocadores de viola e a gueisha Wang Li,
é porque eles cultuam a timidez,
rigorosamente invisíveis.

Arlaud, 1920


A RESPIRAÇÃO DA NINFA NUA

Ninfa nua em flor no fundo do céu
respira se eu sonho com ela.
O céu é um diamante aéreo
e eu espio a ninfa no terraço grego.

Por cima de minha cama,
se eu acordar, ela some.
Por isso me olha compenetrada,
a ninfa nua que vem à tona do rio.

Voa entre árvores altas e barcos.
Voa e sabe, com pavor,
que deve cultivar meu sono.

Nele é que respira a ninfa nua,
ao lado de ventos que, vindos do alto,
suavizam a respiração do meu sonho.

Quino


--- Como é que não vai mais remar?! Acho isso muito estranho, Fernández!
Estamos ou não estamos no mesmo barco?

Miran


Quino


Miran


Ivan Pinkava


OS OLHOS DO ADORMECIDO

Esfinge ao sol, enquanto durmo.
Se eu acordasse agora, então o quê?
Um olho aberto, outro fechado,
a esfinge sonha com meus olhos.

Meus olhos nessa luminância
dos olhos da esfinge de cal.
Meus olhos são alísios, alívios
nos olhos da esfinge no pátio.

Esfinge apagando altas estrelas,
que depois meus olhos reacendem.
E por que esfinge, por que olhos?

Seria mais simples não haver vida
– nenhuma palavra –
seria mais simples não morrer.
Jardim zen
A PEDRA E O POEMA

A pedra e o poema
não comem,
não bebem,
não dormem.

Por séculos a fio estancam onde estiverem.
Se na pedra e no poema damos um pontapé,
ficam no local em que foram arremessados
e se aquietam.

Contudo, na Alquimia,
essa pedra e poema desprezados
são o símbolo da meta suprema.

A pedra e o poema já não buscam,
sabem que o sagrado existe.
Experimentaram o paraíso por um segundo.

A LENDA DO ARVOREDO DE OURO

Georgia O’Keeffe sob uma das árvores do arvoredo de ouro
a fina chuva de ouro
nunca a desperta

Georgia O’Keeffe congela um salmão na língua
a fina chuva de ouro
descongela o salmão

Georgia O’Keeffe no alagadiço rente à árvore de ouro
a fina chuva de ouro
musicaliza a garganta

Georgia O’Keeffe reza o breve rosário de buirás
a fina chuva de ouro
remansa olho de cacto

1906-1975


Escutar Josephine Baker
cantando La Vie en Rose

Dedico esta música
a Míriam Santini de Abreu,
editora da revista Pobres e Nojentas:
www.pobresenojentas.blogspot.com

http://www.youtube.com/watch?v=ZydsH-ZvUyk&feature=related