segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Gloria Swanson


7 imagens desconcertantes

Magritte


Maggie Taylor


Frida Kahlo


Salvador Dali


Artschwager


Chagall


Dae-Woong Nam


Ana Castro de Jesus Leão Beeck --- minha vó

Minha vó Ana, 97 anos de vida angélica.

E de tanto olhar para nada,

ficaste com olhos de fada.

Laszlo Layton


Para não morrer durante esse poço de marasmo que me acontece sempre que vou estender lençóis no varal, eu, K., desvendo o véu de Ísis e, por trás do véu, o que vislumbro são umas letras – racimos de pérola – que devem ser ouvidas como palavras que sabem o que fazem. Fizeram concha, ar, Órion?. Ou foi o Cristalino quem as ventilou? Shakespeare: “Se a palavra é sopro e sopro é vida”. Quando querem, as palavras deixam-se aprisionar pelo sopro e fingem que são concha, ar, Órion. As palavras: sombras que nada conhecem, a não ser que indiquemos – a elas – a fenda no beco por onde espiam que – sendo palavras – são sereias visíveis. Para não morrer, escuto Erik Satie: Trois gymnopédies. Para não sucumbir aos acontecimentos ínfimos e às felicidades cáusticas, eu preciso entoar mantras, vocábulos, e mergulhar na piscina, na arbor vitae, na consolação da noite.

Cartier Bresson


Em Villa da Concha, guarda-sóis na praia de Pinheiros-bravos. Eu, K., observo a praia de longe e, após três cigarros de erva-cidreira, passeio meus pés pelo tapete do casarão, torno-me mais confessional e sonho que há búzio no areal. Decido ir ao mar. Desço as escadas de pedra. “Cada um de nós é um búzio”, afirmou Kierkegaard. Vindo das angras corroídas de salsugem, o vento nos guarda-sóis, que resistem. Então sou búzio e sombra de búzio no salitrado areal? O vento forte não leva o búzio nem a sombra do búzio. Ando mais um pouco pela areia fina e branca dessa praia inesquecível e penso que não há nem nunca houve, no azulado recamo do celeste céu, sequer um resquício de fronte angelical ou espíritos a esparzir unções; por outro lado, na praia de Pinheiros-bravos, pode ser que o silêncio seja o Deus que tanto espero – o Deus do suave frescor e do mantra Om. No arco do pensamento sopra uma embarcação que amanhece. Água molha o búzio, molha a vegetação dos ventos. A vista abarca, de pronto, tudo o que em Lucana é um belo relâmpago: sei de suas feridas fundas, das duas ramas tenras que se apartam como coxas de mulher, e ocultam na juntura um punhado de musgo negro. Os guarda-sóis continuam ali, cravados na areia. Se escuto um azul, é o mar que escuto e o arco do meu pensamento extrái essa voz de orvalho da pedra tosca, voz que traz à tona as miragens internas que sopram das próprias palavras: sargaço, caranguejo, alga. Não devemos escutar as palavras, mas sim o fogo invisível que há nelas – e as excede.

Andy Wahrol


De uma das estantes da modesta biblioteca que possuo aqui no casarão colonial, retiro um livro de Jorge Luis Borges. Um livro devia ser escrito para ser lido com os olhos fechados. Abro ao acaso e leio: “Costumo pensar, então: este é um sonho, uma pura diversão da minha vontade e, já que tenho um poder ilimitado, vou produzir um tigre”. Alguma louça na pia. Lavo, enxugo, guardo os pratos, as xícaras, talheres e não sei se sonho com gata ou peixe. Se sonho com gata sem peixe, escuto certo murmúrio renascentista na “Nuages gris”, de Lizst. Se sonho com peixe sem gata, viro água no talo foliáceo das algas, espumo, quebrando-me na aresta do granito. Se sonho sem gata e sem peixe, saio das nuvens, levanto a fronte e escuto. Se sonho apenas com gata, “e já que tenho um poder ilimitado”, ela se torna essa mulher --- Lucana --- envolta em óleo perfumado. Finalizando: se sonho apenas com peixe eu sonho o sonho do peixe.

Cartier Bresson


É um Chaplin ou um quartzo ou um laranjal quem vai iniciar esse capítulo? Fomos dilacerados desde o nascimento. Origo et fons. Somos apenas sopros no curtume a descansar à sombra do vendaval. Tal o Vishnu enverdecido, a epifania de plânctons revivesce dourada na nudez do pensamento, que não se turva nem com a aparição de pequenos cavalos-marinhos agrestes que vivem em suspensão nas águas salobras e que, também, são conhecidos como haloplânctons. A estrela da manhã foge do liso céu e se equilibra no cílio de Lucana. Um esgarçar de ribombo recende grosso do entrechoque de barcaças. Se os esgarços de ribombo fossem vozes, que recenderiam ou revelariam? Rinocerontes-do-mar ou o alabastrino óleo de Caab? O sono esquece na varanda da Casa de Água um espelho: astúcia da vigília, para que o invisível, afastado de ossos, nuvem, nervos, ilusão, pizicato, tractatus – fisgue-se a si mesmo no Vazio; capture, no espelho, a sensível fonte. Neste refletir, o invisível, por sua vez, transmuta-se em sopro de viração – potencia oscura –, sumindo-se num oboé e, na neblina da madrugada, é apenas neblina, nada mais.

Andréa Del Fuego


Na caixa com areia ali se enfia, à sombra dos ramos do muro, o gato mourisco. Lucana philosopha: “A música de Bach é uma árvore barroca que cresce com os ventos”. K. costuma chamar a Casa de Água de Templo de Khajuharo --- e sabe que ali, nesse templo metafórico, dançam ventanias; ventanias que nunca poderíamos esculpir na pedra --- pedra que floresce calma e pensativa. No Templo de Khajuharo
--- ou Casa de Água ---, a atividade da noiva Lucana sopra os pingos dos ís. Se à meia-noite vai ou não à Missa do Domingo de Ramos, se escuta o sopro renascentista ou lhe trazem um jarro que vaza água, isso pouco importa. O que deseja Lucana, quando anda de lá para cá em seu simulacro de templo, é fumar a fruta das plantas e, minuciosa, investigar essa luz vinda do alto, pela telha de cristal, uma luz de aquário, simples, verdosa, acalmada pelo silêncio. E se em copo de vidro bebe o vinho forte e negro, é porque aqui, no Templo de Khajuharo, ela pode ver e escutar, contra o muro gretado, a árvore barroca que cresce com os ventos.