domingo, 21 de dezembro de 2008

Paul Megens


Ler a novela
A senhora do gelo,
de Fernando José Karl,
autor desse blog.

http://www.germinaliteratura.com.br/booksonline_karl1.htm

Oguz Gurel


Nessa Ryan


TAO

pra La Vanu

Se sossem do Deus, somente, as mortes, seriam impérios aéreos, ravinas solares.

Mas as mortes são nossas, que nos entregamos às minúcias: varais
moedinha
chafariz

exalamos Tao
do fundo mais firme do silêncio

Saramago
Ver o
Caderno de Saramago

http://caderno.josesaramago.org/

Eugênio, sem data


Lavar a alma ao ver o blog
Admiradores de varais,
de La Vanu.

http://admiradoresdevarais.blogspot.com/2008/

Richard Avedon, 1957


A propósito de algumas caligrafias de Georgia O’Keeffe, tive agora um pressentimento do pó que sou. Eu quis me fazer monja no convento das Carmelitas e tive que aprender muito sobre jarros e hidráulica. Jarros valem o mesmo que nada e a retina onde se molham, menos ainda. Uma sereia, tornando a escutar aquelas ondas de grosso mar sob a embarcação, encontraria nela Ulisses amarrado ao mastro e remadores com cera nos ouvidos. O filósofo naturalista colheria da cena elementos para desvelar a loucura. Um que seja furioso bate a cabeça no muro e descobre que mais vale andar pela varanda do que fincar no peito um arpão, e observa que as linhas da chuva que se espalham contra a vidraça também escreveram, em grego aquático, pelas calhas, a ode que ninguém pode ler.

Nesse ano entrei para o Clube dos Vencidos da Vida. Nos encontros dominicais é costume bater o martelo e vociferar: “Os olhos vão ver o paraíso, sim, mas serão olhos apodrecidos”.

Uma noite, como saísse do conservatório – fui escutar um quinteto de Brahms – encontrei com a senhorita Chuva e fomos tomar chá. Imagine: chá na boca de chuva da senhorita Chuva. Era aquática figura de ninfa: os cabelos, os olhos de água. Já foi possuída nos terrenos baldios: os brutos todos penetraram as ancas da senhorita Chuva, chuparam laranjas em seus flancos, e um pouco daquele ar distante que tinha, perdeu-se. Ninguém mais viu sua inocência exilada.

Ao chá conversamos sobre como assassinar aqueles que a violaram e, pouco depois, de Hidráulica aplicada, o que me assombrou bastante; o usual nos encontros era conversarmos sobre louças, abismos.

Depois do encontro com Senhorita Chuva, uma lufada de vento me ergue do chão e sobrevôo os casarios com pomares e um coro de anjos, com mais de cem asas, grita que os imperadores antigos não encontraram o alimento que procuravam e, só por isso, morreram.

Água da chuva nos olhos mortos, senhorita Chuva.

Edwin Smith, 1965


No elegante Condomínio de Astúrias, na cidade Alta, o juiz da Quinta Vara Criminal, o jurisprudente Edgard & Edgard, crocita à cônjuge no café da manhã:

– Alcance-me a manteiga de cristal, querida.

– Claro.

Ela acrescenta:

– Quer o pão de cristal, o café, o leite de cristal?

Edwin Smith, 1965


Sonho, ao amanhecer, já separado e longe, que estou pendurado na beira daquele terraço da Sunset Boulevard, com apenas uma das mãos, e se caio daqui, se não sei voar, mergulho nesta piscina que podia ter sido outra.

Estou condenado ao desespero – atravesso o deserto com uma pedra no bolso – arrasto encardidos pés pelas arborizadas, as ruas.

Carrego o coração vazio e uma palmeira na mente.

Richard Avedon, 1955


Absorta em si mesma, intacta planta viva n’água, Dora Maar percorre o sonho mau dos mortos e os puxa, com os cabelos, por cima de ondas grossas de sal. Uma deusa Dora Maar? Apaguem seu nome, a pele, a respiração e dela só pode restar um mantra consciente da realidade. Se deseja grafismos de oleandros e sargaços, também deseja a primeira respiração da sereia branca e aguarda embaixo do guarda-sol o sopro do paraíso.

Dora Maar duramente verte algumas palavras, para sempre tecendo o corpo com asas acima do areal, e dá rasantes pelas quinas dos terraços suspensos de Málaga. Dora Maar aceita que Picasso a proteja, na praia, com aquele guarda-sol. Com o desconcerto habitual, Dora Maar vê sua cabeça ser arrancada dos ombros pelo vento e passar rente à torre da igreja de San Isidro, por baixo do céu a cabeça de Dora Maar e as nuvens entre as nuvens.

Aqui, na paia de Málaga, em estado de óbvia distração, Picasso contempla puramente os objetos: samambaias, conchas, coqueiros. Os dois entram no casarão plantado rente às águas. Ele passa a língua no salitre perfumado do pequeno bosque dela. Dora Maar abandona-se num dos recantos do hall desta edificação à beira-mar e sabe que, soprada além das vãs águas molhadas, há ondas, ondas, ondas.

Na cozinha ou deitada no quarto, recolhida de uma pronúncia de brisa inacabada, Dora Maar espia pela grande janela a luz que irradia sons de ouro – enquanto jasmineiros fervem no quintal – a luz adormece para sempre no ondular vazio de longas folhas das bananeiras.

No piso de uma das salas do casarão, caído um livro. À página 61, a linha de frase: “Encosto o raio no tímpano e o cântico opressivo se desvanece”.

Na piscina, na noite, ou agora singrando com a barca o rio azul de Sabalquivir, Dora Maar e Picasso já sabem que a pedra é uma fonte de água viva e que a siriringa é água tremente pela passagem dos peixes. A tempestade fincada no ponto de orvalho, não fere o orvalho. Nem chifres de rinoceronte machucam esse ponto aquático nem o mal fere a chama de Dora Maar sentada à escrivaninha. Preguiçosa e indiferente, ela cobre o rosto com véu de estrelas e, com ele, adoça a língua e o chá.

Carleton E. Watkins, 1881


Vou acordar a chuva.

Antes de entrar em seu quarto, umedeço os dedos na água do aquário e passo por seus gatos molhados. Na casa da chuva, até as plantas do jardim são de água.

O véu que a cobre é de fina organza líqüida.

Logo que a vi, ela estendeu os braços e, para minha surpresa, antes de me pedir um beijo, pediu foi um copo, um copo d’água.

Anon, sem data


As manhãs do Peloponeso não devem ser mais belas que as manhãs da rua do Castanheiro. As coníferas, o rádio alto no sobrado da esquina, uma construção de grade de madeira e, no quintal, aquele enorme vaso, plantas de folhas longas. No corredor do sobrado desembocam quartos cheios de treva e, na sala de leitura, eu visto uma camisa de algodão enquanto espero que passe o enterro da menina Luciana, filha do açougueiro Otto.

Quem a conheceu recorda que sorvia até o fim o cheiro da flor de laranjeira e, nos dias de calor, descansava à sombra da cisterna. Depois pendurava roupas no varal, andava entre árvores. A filha do açougueiro Otto trazia o espírito curioso atento ao cotidiano de louças, vassouras, e nunca compreenderia, por exemplo, a Mecânica dos Fluidos, de Bertrand Russell, ou as frases cortantes de Wittgenstein, em seu Tractatus.

Esta imagem da menina Luciana data de 1952, quando ocorre sua morte com apenas 16 anos.

A última vez que a encontrei, no beco dos Goyas, eu havia puxado um fumo louco junto ao portal da igreja de São Ignácio.

Aquela tarde, nos muquifos de sempre, também sorvi a espuma dourada de algumas cervejas Eisenbahn, e, de vez em quando, olhava para a lâmina que cortaria o virginal pescoço da filha do açougueiro Otto.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Man Ray, sem data

O primeiro nascimento é orvalho.
O segundo nascimento é a palavra orvalho.

Lezama Lima

Ver 7 flagrantes de Praga
(capital da Tchecoslováquia),
clicados por Stanko Abadžic.

Sem palavras



Ânfora grega

A RESPOSTA DE JEAN COCTEAU

À pergunta: --- Se na sua casa pegasse fogo, o que você salvaria? Jean Cocteau respondeu: --- O fogo!


Salvação, em hebraico, significa "respirar à vontade".

Há essa ânfora que carrego, ânfora distraída no precipício.

Ao atravessar esta porta, ânfora lavada:
só o sonho poderia levá-la ao Santo dos Santos.


Pedra escrita.
NOÇÕES DE GRAMÁTICA
(Origo et fons)

Essa frase tem contém dois verbos.
Essa frase tem repolho seis palavras.
Essa não é uma completa.
Essa também.

Issa (1763-1827)
A DEFORMAÇÃO ORGANIZADA
DA LÍNGUA COMUM
PELA LÍNGUA POÉTICA

Um riacho de serpentes no cérebro,
um vaso de porcelana com verbenas.
O estranhamento se há cascalho:
aqui as palavras têm plantas.

Fisgo do cristal o inaudível,
alago a música da mente e,
à sombra do salmão ciumento, me recolho.
Imagino que sou neblina de Issa,

neblina vivificante, isca sou
de instrumentos arcaicos que crescem
em plantações protegidas por cercas de bambu:

tarolas, ravanastrões, sambucas,
arquialaúdes, tchés, turlurettes,
magrephas, pandoras, hidraules.

Andrej Glusgold, sem data

GODOT CHEGOU AO HOTEL SUNSET BOULEVARD
E NÃO ENCONTROU NINGUÉM

Vim a este Hotel Sunset Boulevard, rente ao mar grosso de sal e azul, porque me contaram que aqui estavam me esperando Schopenhauer e Francisca B. Não os encontrei. Não faz mal. Ficarei espiando o mar tranqüilo assim e o visível corpo n’água.

Mar em que nos abandonamos e que cresce em nós com as tormentas, continuará a ser água salgada em desalinho constante e os limites deste mar, fixados em alguma idéia, se confundem com a altura do céu que é claro sem nunca ter pensado: este céu é suficientemente despovoado de anjos e beatas virgens, de tal modo que resta sempre novo céu que podemos exaurir e dele arrancarmos as finas cordas da chuva, as chuvas de que é capaz o espírito.

E acontece que, para o espírito, as nossas presentes chuvas, sem consideração moral, são mais molhadas. Aquele que construiu em si a obrigação de molhar os dedos na pia de água benta, sabe que nunca deixará de faltar matéria e realidade à água benta e só terá necessidade de recorrer a ela se, vazio, e para iludir o escuro em si mesmo, tocar a suposta santidade da água que, ali na pia, é água apenas, e isso é tudo para essa água que, sem pia nem beatitude, continua ali e logo evapora. Mas chega de filosofia.

Não vou esperar mais. Daqui posso ver a Tabacaria. Talvez o Esteves saiba onde Schopenhauer — o peixe espinho — e Francisca B. estejam.

Matisse (1869-1954)

A MORTE NÃO TEM ESPAÇO
NA ESCULTURA DO PEIXE

Nem a morte pode vencer
o peixe

porque este parece transcendê-la

Jennifer Schlesinger, 2005

O branco
o branco do olho
o branco do olho na penumbra

é
a
mais
bela
noite
de

luar

Diana Bloomfield, 2007

Ô ressurreição, dê água a meus ossos, me livre da aboiz de achar que eu sei tudo. Sou bossa de corisco, silêncio de adro, diamante que não, que sim. Ô ressurreição, dê arejos às trevas, me livre da falta de doçura, do vício de não escutar as trepadeiras trêmulas no aljibe. Tudo volta ao silêncio. Nunca estive entre as folhas da abanga. Nunca me chamaram de Beechmann. Ô ressurreição, que o que agora vislumbro não se perca, não se perca. E alguma coisa disso tudo seja meu: o linho da mortalha dos anjos, a xícara branca, o sorriso dos Reis, os passos no desconhecido, as delícias, os cinamomos, os vasos cilíndricos de barro, e mais tudo o que, por distraído, esqueci.

Theda Bara (1890-1955)

LIMERICK,

de Edward Lear


Uma guria da Hungria
Fodia com uma enguia.
Por que o capricho
De enfiar esse bicho?
"É maior que uma pica; mas fria!".



Tradução
: Luiz Roberto Guedes

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ver 7 grafismos de Matisse

Chema Madoz, sem data

A SOMBRA

A respiração na eternidade é assim:
se a serpente de sombra azul respira,
respiramos.

Se ela pára de respirar,
morremos.

A serpente de sombra azul
passeia sem bússola pelo paraíso.

Deus a criva com setas de canitar.

A serpente morre,
morremos.

Deus nos ressuscita no terceiro dia,
sem a serpente,
só com a sombra azul.
Ver Kimiko Yoshida

http://www.kimiko.fr/
Ver "Absurda",
do czar do bizarro David Lynch

http://br.youtube.com/watch?v=75dQpZ9-skQ

Susan Burnstine, sem data

Para não morrer durante esse poço de marasmo que me acontece sempre que vou estender lençóis no varal, eu, K., desvendo o véu de Ísis e, por trás do véu, o que vislumbro são umas letras – racimos de pérola – que devem ser ouvidas como palavras que sabem o que fazem. Fizeram concha, ar, Órion?. Ou foi o Cristalino quem as ventilou? Shakespeare: “Se a palavra é sopro e sopro é vida”. Quando querem, as palavras deixam-se aprisionar pelo sopro e fingem que são concha, ar, Órion. As palavras: sombras que nada conhecem, a não ser que indiquemos – a elas – a fenda no beco por onde espiam que – sendo palavras – são sereias visíveis. Para não morrer, escuto Erik Satie: Trois gymnopédies. Para não sucumbir aos acontecimentos ínfimos e às felicidades cáusticas, eu preciso entoar mantras, vocábulos, e mergulhar na piscina, na arbor vitae, na consolação da noite.

Edward Weston

Ao amanhecer está Lucana adormecida na cama larga, entre copos de bebida emborcados, cesto de frutas --- kiwi, mamão --- e restos de sonhos, enquanto o Cristalino, frente à janela escancarada, fuma erva-cidreira e escuta no gramofone a voz de Caruso. A árvore fora de mim: é por ela que subo até às vidraças azuladas da Casa de Água, onde o vento acorda de cabeça para baixo: soprar o vento para as bananeiras e para as constelações. Aqui na varanda espio o Cristalino fumando e um fervor de agáricos nos troncos da amarga oliveira. Observo as finas cordas da chuva que serenam d’água os telhados de Villa da Concha. Calmo, podia inventar o paraíso, silêncio a silêncio, sombra por sombra. Seria um silêncio criador – fonte aberta ao acaso – busca incessante do gume ileso do vocábulo: silvo de fogo na geleira e nunca a lentidão líqüida de algas apodrecidas.

Leviathan
No capítulo 7 do Horto de Leviathan, de autoria daquele mesmo anônimo da filosofia escolástica, uma nota aclara o único argumento convincente a favor da ressurreição do corpo. Eis a nota: “Quem construir uma pia baptismal no mantra, coloca plantas vivas na água, desprende-se da concretude e retorna ao princípio, ou àquilo ‘anterior ao princípio’, quando ‘antes que a primeira vela se acendesse, a vela já estava acesa’”. Cansada da fraqueza extrema, que sempre a enlanguesce nas primeiras horas da manhã, Lucana decide urinar no antifonário, após ter lido pela quinquagésima vez o insosso fólio do Glossarium latinatis. Que ela urine na própria saia de organza ou nas pedras do deserto, mas nunca no antifonário, porque nele está escrito, com letras de missal, que o cinismo é casca frágil e só nos salva da extinção a pureza das linhas de um Modigliani ou essas estruturas coruscantes de reflexões sardônicas. Lucana, no ensombrado quarto de dormir, ao cerrar os olhos profundos, observa miniaturas de afrescos gregos que parecem se guardar de um contágio indigno. Para não acordar Lucana, saio pisando musgo. Esqueci de regar as plantas no casarão. Antes de ir, ainda espio mais uma vez, à sombra do jarro de rosas, um breve orvalho na nudez daquela que dorme – de acordo com a descrição de Lezama Lima –, feito uma “pequena caixa de cristal, cheia de alfinetes e agulhas, e que, mesmo situada na última peça da casa, ainda sente quando o bonde passa”.

Barnaby Richards

Confira o site "Atlantic Press"

http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.atlanticpressbooks.com/clientpics/Funeral1.jpg&imgrefurl=http://www.atlanticpressbooks.com/fall.htm&h=300&w=300&sz=43&hl=pt-BR&start=17&um=1&tbnid=wcqc99yHAM6AdM:&tbnh=116&tbnw=116&prev=/images%3Fq%3Dfuneral%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN

Se eu, Fernando José Karl,
fosse mulher, eu seria assim.
Não há verdade senão a do desejo.

O inconsciente deriva do que é puramente lógico, ou em outros termos, do significante.

Nos curamos ao ouvir, no significante, pulsão de vida.

Segundo Saussurre, "o significante é uma realidade psíquica construída por uma imagem acústica".

Exemplo 1: xícara.
Exemplo 2: búfalo.
Exemplo 3: faca.

Palavras tais como: amor, pensamento, alma, alegria, paz não podem ser significantes, posto que não formam imagem acústica.

O significante não é a palavra que se pronuncia ao enunciá-la. Não adianta, portanto, recitar xícara, búfalo, faca.

O significante não é o som da palavra, mas uma imagem acústica que não precisa da voz.

O significante habita o silêncio.

Xícara forma a imagem da xícara e tem um som peculiar
ou acústico: x-í-c-a-r-a.

Búfalo forma a imagem do búfalo e tem um som peculiar
ou acústico: b-ú-f-a-l-o.

Faca forma a imagem da faca e tem um som peculiar
ou acústico: f-a-c-a.

O significante habita o silêncio.

O significante é o inconsciente (ou Deus ou amor ou o fluido integrativo ou o sim) em ação.

No inconsciente só há sim. Não há não no inconsciente.

O inconsciente é sim primordial, fluido integrativo, afirmação: nele não há não.

A não ser que eu deva dizer não ao cansaço, à preguiça, à mentira.

Para finalizar: a via régia, real, para o inconsciente é, para usar uma expressão de Augusto de Campos, uma “linguaviagem”, sempre em direção a outro tempo e a outro lugar, uma micro-língua em vero exercício que não se confunde com as línguas genéricas, coletivas ou convencionais, as quais alimenta e vivifica; ainda que se pareça à língua comum, comunicativa, transgride seus usos, evita suas sintaxes, afeta sua morfologia e redistribui seus valores semânticos.


Este artigo faz parte de um livro que o dono deste blog Nautikkon --- Fernando José Karl --- está escrevendo sobre "A essência da linguagem". O título do livro é "O arqueiro quântico".

Max Thorek, 1930

O venerável superior Hans Daff, da abadia de Wassal, no balneário de Ó, põe os óculos redondos e, fingindo que folheia com unção o vago registro no caderno católico, não deixa de observar que, ali na sacristia, a nuca da menina é perfumada.

O venerável convida a menina para que sente em seu colo.

Quinze anos tem Laurinha; o venerável espera que saiam todos e a mão com o grosso anel de ouro enfia-se no musgo entre as coxas da menina que ainda não sabe, que ainda não pode saber.

Os lábios molhados da menina, a nuca perfumada, o repique dos sinos. Alguns padres desfiam o rosário no átrio.

Aqui é o balneário de Ó envolto em neblina, onde atracam as barcas que descem o rio. Folhas do tamarindo caem, num abandono previsível, e, se erguermos um pouco os olhos, deparamos também com aquele céo antiqüíssimo e monótono. Contudo, o que se percebe mesmo é que o vento e os homens, as pedras e as mulheres só cuidam de si, nunca desconfiam que, nesse minuto, na abadia de Wassal, o venerável Hans força a menina a ficar de de quatro e a beijar o crucifixo.

Caio

Letícia Passowski, sem data

O sol, na manhã lavada, é a sombra do Deus. Ficamos ali vendo as mulheres mergulharem no oceano para esquecer, enquanto nos teus olhos li que a morte é a única sombra: manhã com céu a incendeia. Há no céu imensas curvas de cristal, e na cama os esqualos, faltasse água, morreriam à luz seca do meio-dia. Por isto fomos ao oceano com baldes de alumínio
caçar águas

Clare Strand, sem data

HOSOMI

Piscar do espírito:

o paraíso

no sonho


te esquece entre águas e conchas


e, súdito,


ao acordar


te respira

Sem palavras

Milenko Kosanovic

Sem palavras