sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Hilda Hilst na Casa do Sol, 1967
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Miró


PÊRA

Se sossem do Deus, somente, as mortes,
seriam impérios aéreos, ravinas solares.

Mas as mortes são nossas,
que nos entregamos às minúcias:

crochê
moedinha
chafariz

exalamos uma pêra
do fundo mais firme do silêncio





Matisse


A MÚSICA SONHA CISNE
E VASOS DE BARRO

Vasos de barro, onde cisne e música somem.
Se olham --- cisne, vasos de barro, música ---
imersos na voz, aderidos ao corpo
que logo finda neles --- os dourados,

com música transbordando de vasos de barro
moldados pelo sopro do cisne que os dias desdouram,
como se a mais alta sina fosse perder
vasos de barro, música, voz.

Os dourados somos todos, esquecidos
do corpo que, antes das constelações,
silenciava uma prímula, um grão

de lua na altura do peito,
na altura do peito dois vasos, não de barro,
de seda fina do arrozal, dois pulmões, dois cisnes:

vasos de música

Paul Klee


A MORTE NÃO TEM ESPAÇO
NA ESCULTURA DO PEIXE

Nem a morte pode vencer
o peixe

porque este parece transcendê-la
Ezra Pound (1885/1972)
Ver Pasolini lendo um poema
para Ezra Pound

http://br.youtube.com/watch?v=0YJSG1C3sF8&mode=related&search=

C. Rugosa, 1898


BANHISTA DE VALPINÇON

Cavaleiros negros,
cavaleiros negros com sóis tatuados no peito,
cavaleiros negros cortam a cabeça
da banhista de Valpinçon,
arremessam ao ar.

Cabelos e olhos entre nuvens.

Cavaleiros negros batucam o tambor,
que já não pode ser ouvido pela cabeça
arremessada ao ar,
alta,
entre nuvens,
--- rememorando ancestrais ---
uma cabeça no azul gelado.

Clara Whitcomb, 1898


REVELAÇÃO

Esculpido na água viva da constelação
--- durante o século I dos linces ---
eu, Juliá, moro teu azul de oásis,
oásis com cadáveres obcecantes.

Moro teu azul de oásis
--- dolorido, com esperas soçobradas ---
um corpo, um ancoradouro de aparições
que são ventanias, depois trevas,

porque foi sempre assim a loucura:
estarmos aqui de improviso, as frontes
apenas aparentes, lágrimas

acendidas sob a máscara, nossa febre suave
e uma palmeira --- alta como a ressurreição ---
inclinada simples e musical na noite clara.

Não há verdade senão a do desejo. O inconsciente deriva do que é puramente lógico, em outros termos, do significante. Nos curamos ao ouvir, no significante, pulsão de vida.

Hugo Henneberg


O RASTRO

Se ali o céu, acúmulo de ar, ourografia nebulosa,
água corrente o céu --- via régia ---
linguaviagem em direção ao sabre lúcido,
à prosa da piscina vista do belvedere.

Ouçamos, pois, como soa o céu:
sem anular o sonho, antes o vivifica.
Se o céu parece comum,
é porque não o vimos ainda.

Despojar a palavra da palavra,
confessá-la em música.
O céu passou, mas o rastro do céu,

fixo nesta matéria fina de toda certeza
--- a palavra ---
permanece ao alcance do sopro

que a língua da tempestade cura.