domingo, 16 de dezembro de 2007


A rosa e a imagem da rosa. A rosa está ausente no próprio núcleo de sua presença. Uma imagem não se aprende. Sem imagem, rosa precária? No escuro, rosa é rosa? Rosa, não posso explicar, mas imagino. Não posso atingir a causa do fenômeno, então a crio. Olhar de dentro as partículas sonoras das vigas sob ar e aura. Os barcos saíam a sete mares, com sete marés pelos velames. Soa o martelo na antiga linha do vento que o construtor imagina. Os barcos saíam a buscar brisas que nenhum Deus imaginaria. Quem lima a âncora sabe a dor do ferro. Quem lixa o pó esquece a relva. Brutas marteladas, os barcos se erguem embalados pela onda futura. Talvez porque os barcos acordem cegos, necessitem de marujos que os velem nas longas noites das ribeiras. Tocar o vaso de Bizâncio vivo, mesmo a sombra na parede branca, bem como o sopro que o escultor Guyau Ouspenski esqueceu na superfície de louça azul do vaso de Bizâncio. O céu do Deus nos exilou – nós aqui – e para alcançá-lo só temos, talvez, alguns grãos de alaúde e Saaras de palavras: vaso, sopro, louça. As coisas tentam ser o que em Deus é e desistem. As coisas desistem de ser: homem, Órion, ventania. Deus, mais linho que o linho, desnuda-se da ilusão, esculpe além da pedra ode serena para Gregorovius. Eram cegos, rememoravam dinastias de vozes. Cegos a quase tudo, só viam jarro com azevém. Não viam ímãs aquáticos de Sirius nem o gongo virginal que soprava fogo azul no gelo dos olhos que, nublados, apenas enxergavam tudo o que, no jarro com azevém, jarro com azevém que alava-se no céu encordoado a nuvens. Apenas o sabor da sede os consumia. Por isto, aos acordes da viola de Gamba, entrelaçaram-se, às cinco em ponto da tarde, na piscina natural da sauna turca. Ninguém estava ali para coroá-los. De presente receberam o jarro com azevém. Atirei pedra no sopro, que fez da pedra uma ode. Menos palavras, mais sopros, porque o invisível é simples amor coberto de flores na curva do vento. Palavras são visíveis, com elas posso ler o que passa por dentro e por fora do jardim suspenso. Prefiro palavras a sopros, porque de sopros o poço é cheio, e não haveria sopros e poço sem palavras. Estou na cabina da barca que balouça menos. Tuas asas, bem-amada, lentas espirais que enraízam em ventos florais. Estou na cabina da barca orlada de espumas. Gaivotas e sol alto imersos no silêncio, porque de sol e silêncio é tua substância que respira o manancial de brisas vivas. Carregas teus primórdios na barca branca, em cuja proa desvendo tua voz com sede da tranqüilidade que vela o ancoradouro. Súbito um peixe azul salta das águas, traz na guelra o teu segredo, bem-amada, que diz que no sonho, antes de ser pássaro, és o espírito voador – cintilas a sílfide. Eu penso peixe branco rendado com flores peixe branco de Chuang Tzu Hai peixe branco idêntico a cada estado de meu pensamento. Foi bom para o peixe do sonho ser afligido pelas águas claras. O que é escrito na sombra do sol alumia a mente. O que é escrito nas águas sonha que é peixe.

Paul Klee


Georges Barbier


Matisse


Lawren Harris


Vi o silêncio, quis guardar no espelho. A eternidade quebrou o espelho, não o silêncio. Este durava no vento luminoso da noite, na concha azulada. Retido no espelho, o silêncio e o miosótis. Vaso de porcelana à nossa porta, música alada à branca superfície da luz que do vaso emana. Porcelana é luz material que vem à tona e adquire a serenidade de um piano de Chopin na noite que mistura o azinhavre de nossa fala, sagrada por circunstância, à pureza salina de uma estrela que, vista de perfil, é toda a nossa infância. Romper a cabaça com pedra de violoncelo. Verter o líquido de copioso cristal no deserto a queimar a alma. Pedra com que Bach fez ablução no século 17. Bach lançou a pedra na cabaça e viu o líquido escorrer pela alma até extinguir-se a dor – a que nos devora sem piedade. E o sonho, astúcia da vigília, é noite suave e afunda no líquido que verte da cabaça esburacada. O líquido não anula o fogo, antes cria liames, pois a função da música, segundo a Lei da Harmonia das Esferas, é unir água e fogo, e conferir levezas distraídas ao deserto. Dá para o quintal de vento e de monturos a respiração de Deus, mais conhecido como “o mais frágil de todos”. Deus, nu, sobe no mamoeiro enlaçado à nuvem. – Confundiram tudo – diz Deus, e do rio de seu coração entre neblinas fogem acordes de violas à beira do abismo, onde o ar torna-se mais leve com a passagem da música. Deus iça a pandorga e o fio que a iça está encordoado de arco-íris sob a chuva. O vento no quintal é a ressurreição. Deus, quando vem o vento, ilumina-se com as partículas cristalinas que o sol espalha no coração da bolha de sabão – coração de Deus. Meu único triunfo é a concisão. Consistência do jardim de miosótis. Imerso no vento o capinzal ondula contra o azul noturno da escarpa. A leveza do vento espreita Sirius. Olhos: pérolas duras em poços escuros. O silêncio minimalista da pérola. A lonjura que há no que é azulado. À sombra o diamante te aguarda, sofrido de quantas senhas esqueceste. O que é verdade? Escutar maré de estrelas, desistir da farsa, vocábulos, pavores e, nas noites, soprar o carvão, sabendo que nele o escuro é musical.

Andrej Glusgold


Horace Bristol, 1933


George Seeley, 1910


Félix Teynard, 1851


Maggie Taylor


Harold Chapman


August Sander, 1913


Chagall


VAU E ESTRELA

Antigo o vento no arraial dos agapantos.
Acicates e raios nos viciam ao sagrado.
Estende a morte a camisa --- Olho aprofunda.
Cruzam-se claridades de mil enigmas.

Tudo serpenteia à luz dos cata-ventos.
Pouco a pouco a morte se cala.
Sono branco (sem sonhos) irrompe,
já sabemos quem somos: adormecemos.

Dois pássaros impossíveis sobrenadam
coração do morto, coração escuro.
A ressurreição ventila a brevidade.

Vau e estrela se enlaçam assombrados.
Humildes águas em poço inusitado,
já estremecemos quem somos: recônditos

jardins

Billie Holiday (1915/1959), aos 14, já em New York, indignada com o racismo, cai na prostituição e enfrenta quatro meses de cadeia “por não querer satisfazer um chefe da máfia negra do Harlem”
Escutar Billie Holiday
interpretar a canção "Strange Fruit"

http://www.youtube.com/watch?v=h4ZyuULy9zs&feature=related
Janis Joplin (1943/1970): sua bebida favorita era Southern Comfort
Escutar Janis Joplin cantar "Summertime"
em Estocolmo/Suécia,
no ano de 1969

http://www.youtube.com/watch?v=mzNEgcqWDG4

Henry Horenstein


LES BAINS DE CARACALLA

Sonhei tanto, sonhei tanto,
que não sou mais daqui.

León-Paul Fargue


Às águas da piscina de Caracalla levo a alma,
--- na piscina nadam cinco Danaides ---,
levo a sede às cacimbas.
Com pureza entro na barca do pensamento;

agora sei que as Danaides
é que arejam a língua da piscina.
Há dentro de mim uma água que não existe.
Há uma fonte além do vento e da morte:

nela água é humilde.
A cisterna que a contém recende
a um acorde de pólen.

A música é haste de gramínea
entre os cabelos das Danaides.
Esqueci minha língua de piscina

no tímpano de uma delas --- a com o leque.

Maciej Trzepalka


Ernesto Bertani


Odilon Redon (1840-1916)


Lakshmi, deusa da beleza e da riqueza
Ver o templo de Narayan, na Índia,
construído em devoção à Lakshmi,
deusa da beleza e da riqueza
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.jorgetutor.com/india/india_2005/orcha/lakshmi_narayan/lakshmi_narayan16.jpg&imgrefurl=http://www.jorgetutor.com/india/india_2005/orcha/lakshmi_narayan/lakshmi_narayan.htm&h=379&w=567&sz=36&hl=pt-BR&start=213&um=1&tbnid=_W_h9wbJIw44XM:&tbnh=90&tbnw=134&prev=/images%3Fq%3Dlakshmi%26start%3D200%26ndsp%3D20%26svnum%3D10%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26rlz%3D1T4GFRC_pt-BRBR217BR217%26sa%3DN