quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Magritte


O JASMIM NO FRASCO

Duas semanas antes de morrer,
meu avô soprou dentro do frasco transparente.
Frasco com 15x10 cm, na estante da oficina,
vedado a tampo de borracha.

Depois que ficou sob a pedra tumular,
meu avô restou apenas naquele frasco.
Fui ao Cemitério Municipal,
rondei sete sepulturas, benzi pedras e gatos.

Nada.
O velho Wilhelm não estava em nenhum lugar.
Nada.

Com a barca invisível da solitude, retornei à casa.
Pelas ribanceiras jasmins ondulavam.
Um deles cortei do caule, depois o esqueci no frasco.

Georgia O'Keeffe


O PENSAMENTO SELVAGEM

Apenas a emoção,
pressente alguma coisa.

Gregório de Nysse

De enseada extrema,
de seminu confinado entre sagüis,
assim é o barro de Deus.

Um caranguejo,
diamante acossado ou crustáceo de decápode,
braquiúro de pernas terminadas em unhas pontudas.

Caranguejo que não sabe de outro caranguejo.

Assim é o barro de Deus:
enseada extrema,
respiração sumindo entre papoulas.

LEVO CAPINZAIS D’UMA ÍNTIMA SOLEDADE

Chovam capinzais e a Cassiopéia na tua frase!
Chovam antiqüíssimas estrelas no teu gelo!
Esguichos de unicórnio e quintal de cinamomos,
meu amor, minha concha, meu osso de Trakl.

Coroada de branca espuma a brisa, barcas o mar,
caixa-de-música o ar e água pura a fonte,
enquanto zaranza o vendaval e o quarto se acalma,
o crisantempo de Georgia O’Keeffe se alucina.

E que te orvalhem no jardim dos camaleões.
Durma até, durma, que eu te ressuscito.
E ao adormeceres comigo, sem que me toques,

possa a minha árvore branca
oxigenar a pura fonte no pedrento,
meu amor, meu labirinto incrustado de cornucópias.